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Por que as pessoas espalham e acreditam em boatos na internet?

Nesta semana, nas redes sociais, vem espalhado uma suposta história de uma van que sequestrava crianças para retirar seus órgãos e pertenceria a uma falsa agência. Note que eu falei “suposta” porque, na verdade, isso não passa de mais um boato que circula pelas redes sociais, embora o estúdio realmente exista. Mesmo sabendo que esse tipo de coisa não é tão raro de acontecer, fiquei impressionado como o caso ganhou repercussão .

Também no dia de hoje (21/09/2015) circula um novo boato sobre o CCZ de Montes Claros, onde diz “Foram roubados coletes, crachás e bolsas de agentes do controle da dengue. Suspeita-se de que serão usados para furtos em residências. Distribuam para o máximo de pessoas possíveis e fiquem atentos.” O boato e muito velho para ser verdadeiro, já que se conhece desde o  ano de 2014, indo de cidade em cidade. Aterrorizando as pessoas de boa fê  que o lê nas mídias sociais, Facebook, WhastApp,…

Desde então, uma pergunta começou a povoar minha cabeça nos últimos dias: Por que as pessoas divulgam boatos na internet? A resposta padrão seria “educação precária e falta de bom senso”. Mas, sinceramente, eu achava isso muito superficial e não me dava por satisfeito. Para entender melhor este comportamento, decidi analisá-lo explorando algumas teorias e diferentes campos de estudo, como pedagogia, psicologia, jornalismo e linguística. Entrevistei cinco pessoas com propriedade para falar sobre esses temas e, a partir dessas discussões – que você vai perceber que se complementam – surgiu este post. Ele não tem a pretensão de ser a explicação completa para o que motiva os internautas a difundirem falsas informações, mas serve como provocação para uma reflexão mais profunda.

Educação e pensamento crítico

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Eu falei que considerava “educação precária” uma justificativa rasa, mas isso não significa que a nossa educação não tenha relação com o comportamento que vamos analisar. Pelo contrário, ela é uma das raízes do problema, como explicaLuciano Meira, pedagogo, pesquisador e professor de psicologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Ele destaca que dentro dos estudos da psicologia cognitiva existe uma área chamada “pensamento crítico”, onde existem os processos mentais que podem tratar uma notícia como interpretação ou como fato.

A grande questão é que a maioria das escolas não é bem-sucedida ao trabalhar interpretação com os alunos. “Embora o Enem esteja tentando quebrar esse paradigma, os antigos vestibulares trabalhavam muito mais o conhecimento factual, que exigia grandes níveis de memorização”, observa Luciano Meira. Quantos de nós aprendemos história ou português decorando capítulos imensos de livros para esquecer boa parte deles logo após as provas?

O pedagogo vai além e diz que mesmo quando os alunos conseguem interpretar fatos, a escola (de uma maneira geral) não trabalha um ambiente que favorece a argumentação. “É preciso entender que o argumento é um ponto de vista com uma justificativa que busca se opor a outro argumento ou a outra justificativa. O problema é que muitas pessoas só querem ter ponto de vista, mas sem justificativa. E pior: não são capazes de ouvir o que o outro tem a dizer”, pontua o pesquisador, acrescentando que o problema não é apenas do ensino brasileiro, mas também acontece com vários outros países.

A partir daí, podemos entender como as deficiências na educação podem levar as pessoas a tratarem qualquer informação que recebem pelo WhatsApp ou Facebook como fato, sem questionar a origem e a veracidade da mensagem.

Desinibição online e efeito manada

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Não é novidade para ninguém que as pessoas estão cada vez mais conectadas, sobretudo com o maior acesso à internet móvel e a popularização dos smartphones. Com a dissolução das fronteiras entre o “mundo real” e o “mundo virtual”, será que nossas atitudes na rede são uma mera transposição de nossos comportamentos para o ambiente digital? Ou o fato de estar na internet de algum modo influencia nossa forma de agir?

Para explorar esse viés, conversei com a psicóloga Ana Luiza Mano, integrante do Núcleo de Pesquisa da Psicologia em Informática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Apoiada nos estudos do psicólogo John Suler, que estudou o efeito da desinibição online, ela afirma que há algumas características do nosso comportamento no ambiente digital.

“O fato de a pessoa se pensar como anônima faz com que ela sinta certa imunidade. Um boato é divulgado na internet sem a noção de que aquela mensagem é boa ou ruim. Como você não está olhando nos olhos do outro, na hora de inventar uma notícia não vê a reação dele”, descreve Ana Luiza Mano.

Outro comportamento comum, explica a psicóloga, é a supervalorização do que é lido. Já parou para perceber como a internet adora uma polêmica e às vezes parece um ringue de luta? “A gente nem sempre interpreta corretamente o teor do sentimento numa mensagem”, analisa a psicóloga.

Ela frisa que a desinibição não é necessariamente algo negativo e pode estimular as pessoas a participarem, por exemplo, de campanhas nas redes sociais para doação de sangue, entre outras causas. Aí entra um pouco do que se convencionou chamar de “ativismo de sofá”. No fim das contas, a internet é uma ferramenta, mas continuamos “gente sendo gente”.

Dentro dessa discussão sobre o que leva alguém a disseminar boatos, também é relevante entender o efeito manada ou grupo. “Qualquer pessoa pode fazer parte de algo. Lembro que li sobre uma experiência de uma professora que pediu para internautas compartilharem uma publicação só para ela ver até onde ia o alcance. Precisamos do outro para nos sentirmos humanos e por isso agimos em grupo. Quando você replica uma mensagem, tem a sensação de que faz parte da massa e é apenas mais um”, pondera.

Dessa forma, a psicologia mostra que nosso senso de responsabilidade pode sofrer distorções no ambiente digital. No Brasil, ainda há o agravante da impunidade, o que também ajuda a multiplicar os boatos.

Os novos produtores de notícia e a credibilidade

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Como em qualquer outra área do conhecimento humano, o conceito de jornalismo é amplo e, na academia, diferentes autores utilizam definições variadas. Para nosso debate, vamos propor uma simplificação a fim de facilitar o entendimento. Tenha em mente que o jornalismo lida com informação e notícias. E saiba que ele está passando por uma grande revolução.

O professor Bruno Nogueira, que leciona no curso de jornalismo da UFPE, explica que os dispositivos móveis (smartphones, tablets e outros) conferem empoderamento aos usuários. Você pode colocar no seu perfil do Facebook um vídeo denunciando problemas com o abastecimento de água na sua rua, publicar uma foto no Twitter com um acidente de trânsito e postar sua opinião sobre qualquer assunto. As possibilidades são ilimitadas.

“Na internet há a noção de inteligência coletiva. Os indivíduos compartilham informações em comunidade e quem contribui adquire capital social, que é influência. A gente se reconfigura enquanto sociedade na web. Vamos ter diferentes formas de conversar, conviver e trabalhar o capital social, que está muito relacionado ao acesso”, avalia o docente. A quantidade de amigos, curtidas, comentários, compartilhamentos e visitas atuam como medidores de quem exerce influência na rede.

E como isso entra na questão dos boatos que se espalham? O professor, que pesquisa o papel dos dispositivos móveis no jornalismo, acredita que quem tem o costume de divulgar informações e notícias o faz muito mais para aumentar o próprio capital social do que para informar ou alertar.

Há ainda outra questão: o trânsito de informação na internet é muito rápido e passa a impressão de tempo real. “A ansiedade por informação é muito grande e nem sempre o internauta checa o que ele está repassando. É uma grande busca pelo imediatismo. Neste ponto, por mais que a imprensa tradicional seja criticada, os veículos de comunicação ainda são fundamentais para atribuir credibilidade a uma notícia. O principal papel do jornalista não é escrever, mas apurar”, ressalta.

Teorias da conspiração e descrença nas instituições

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Se você é utilizador de redes sociais e mensageiros instantâneos, como o WhatsApp, provavelmente já esbarrou em alguma teoria da conspiração na internet. Na época do acidente com o jato que vitimou Eduardo Campos, cansei de ler pessoas defendendo as teorias mais malucas do mundo para falar que o avião foi sabotado. Meses antes, lembro de outras mensagens que circularam bastante. Uma dizendo que o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa tramava sair candidato à presidência da República por um partido que pedia a intervenção militar. A outra era uma conversa de que a Caixa iria confiscar a poupança.

Para o jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais Alexandre Inagaki, autor do blog Pensar Enlouquece, o motivo de tantas teorias da conspiração serem levadas a sério é a descrença nas instituições. “As pessoas estão mais críticas por conta de escândalos, como o investigado pela Operação Lavajato, ou por crises de identidade, a exemplo da que enfrenta a Igreja Católica. Então elas desconfiam mais dessas instituições e ficam suscetíveis às teorias da conspiração”, observa.

Alexandre Inagaki conta que presta consultoria para grandes marcas, como Bradesco e Coca-Cola, e o tempo todo surgem histórias sem nenhum fundamento. Ele lembra do caso da cabeça de rato em uma garrafa do refrigerante, que provocou um grande alarde nas redes sociais. “Começou com uma reportagem na televisão que nem ganhou tanta audiência, mas o vídeo foi parar no YouTube e tomou grandes proporções”, recorda.

A empresa precisou fazer peças publicitárias para mostrar como é o processo de enchimento das garrafas e recuperar a confiança dos clientes. No fim das contas, a Justiça emitiu um laudo confirmando que o lacre havia sido violado, mas a repercussão foi bem menor. “Nem um vigésimo das pessoas compartilharam o resultado porque aquilo que é negativo sempre rende mais”, analisa.

Ele ainda aponta um elemento comum à maioria das teorias da conspiração: “Geralmente é alguém vítima de uma grande conspiração, tipo Davi versus Golias. Coitadinho dele. As pessoas sentem pena e, por isso, passam adiante”, diz Alexandre Inagaki.

Ao mesmo tempo, o jornalista também entende que tudo é muito novo no universo digital. As pessoas mal se acostumaram com o Orkut e ele acabou. Nem todo mundo consegue digerir essa velocidade o público enfrenta uma dificuldade de amadurecimento. “O processo de aprendizado é gradual. Quem é heavy user consegue distinguir um boato com mais facilidade. Porém a informação vem em ciclos, em ondas. Por isso alguns internautas são mais vulneráveis”, comenta.

Lendas urbanas na internet

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Já notou que existem semelhanças nos boatos que circulam nos ambientes digitais? Quem aprofunda o tema conosco é o professor Carlos Renato Lopes, do Departamento de Letras da Universidade Federal de São Paulo. Ele possui uma tese de doutorado pela USP sobre lendas urbanas na internet. De acordo com o pesquisador, o conteúdo deste gênero textual não se modificou tanto na rede, sendo o fator agilidade a principal diferença. Por outro lado, ele também pontua que as lendas urbanas podem ser desmentidas com maior velocidade.

“Essas histórias são recorrentes e vira e mexe elas ressurgem com novos detalhes. As pessoas começam a saboreá-las como narrativas que vão ganhando versões. Os atos de repercutir e complementar as histórias são facilitados pela internet”, enfatiza Carlos Renato Lopes.

As lendas urbanas, afirma, sempre surgem de questões do cotidiano que trazem um elemento inusitado para despertar a atenção. “São narrativas que afetam a todos como os perigos constantes de uma cidade grande, o medo da morte ou o risco de uma contaminação. A origem pode ser um caso que realmente aconteceu, mas não daquele jeito”, enfatiza.

Outras características próprias do gênero é que as histórias se travestem de notícias. O professor observa que frequentemente elas trazem detalhes como nomes, lugares e até atribuem falas a pessoas. Tudo com o intuito de aumentar a veracidade da narrativa. “É preciso que se dê elementos plausíveis, mas não verificáveis. Assim a história se torna palpável. Outra curiosidade é que nunca a lenda urbana é contada por alguém que vivenciou os fatos, mas sempre por um terceiro. Dessa forma, é impossível checar a fonte da informação”, explica. Ao mesmo tempo, a estratégia de dizer que algo aconteceu com a namorada do filho da vizinha da rua de baixo garante mais proximidade.

Vale lembrar que esse papo de uma van que sequestra criancinhas é tão manjado que, como lembrou o jornalista Alexandre Inagaki, existe uma banda brasileira chamada “A Kombi que pega Crianças”. E no caso do boato envolvendo o Bela Imagem Studio, realmente existia um veículo que percorria cidades oferecendo sessões fotográficas. Prato cheio para o renascimento de uma lenda do tempo da vovó.

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