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“Juliana”, 25 anos – “A gente está casado há 11 anos e eu tenho dois filhos com ele”. Neste sábado, o cônjuge bebeu e ficou, segundo Juliana, ‘virando bicho’ – arranhões, apertos no braço e olho roxo provam a figura literalmente animalesca do agressor. “Quando ele ‘tá’ bom fica dizendo que me ama”. Esta não é a primeira vez da agredida na delegacia.
“Sheila”, 25 anos – “Desde 2009 que eu presto queixa. Hoje de madrugada ele tentou me matar: botou a arma na minha cabeça e apertou o gatilho”. Por sorte da vítima, a arma não disparou. Sobre o flagrante policial – que garantiria a prisão imediata do agressor -, ela disse que até chamou a polícia, mas eles não chegaram. “Eles nunca vem. Quando vem chegar, se chegar, é duas, três horas depois. Ai a gente já tá morta no chão”.
SEM SENSIBILIZAÇÃO – Durante a reportagem, um dos agentes, em conversa informal sobre o tema, assumiu que não deveria existir a Lei Maria da Penha: “eu não acredito que deva existir lei para minorias: mulheres, idosos, crianças. A constituição naturalmente já garante que não se pode agredir ou matar ninguém, não existe necessidade de leis específicas para isso, elas devem sim ser cumpridas. Até porque, “somos todos iguais perante a lei”. Já vi homens chegando aqui bem machucados e a mulher só com um arranhão, mas a lei prioriza quem? A mulher. Tem também a questão da fiança: quando os delegados se comovem em uma história, acabam cobrando uma fiança impagável para o agressor. Como alguém que recebe um salário mínimo pode pagar uma fiança de 3 mil reais? Além disso, muitas mulheres chegam aqui só para causar confusão e depois assumem que ele não agrediu, que era mentira para prejudicá-lo de alguma forma. Algumas sequer assumem.”
Um e-mail foi enviado à Secretaria de Defesa Social (SDS) de Pernambuco questionando como é feita a escolha dos funcionários (agentes, delegados, comissários) para a Delegacia da Mulher e se existe alguma sensibilização para estes com o tema. Estamos aguardando e assim que recebermos retorno este trecho da matéria será atualizado.
PARA DENÚNCIAR – A mulher pode conseguir um flagrante, que garante a prisão imediata do agressor, ligando para o 190 da Polícia Militar. O 180 é um disque-denuncia exclusivo para casos de violência contra a mulher, que pode ser usado não só pela agredida, mas por familiares e vizinhos. Outra alternativa é ir para alguma unidade da Delegacia da Mulher e registrar um Boletim de Ocorrência (BO) e pedir uma medida protetiva contra o agressor. A medida é deferida por uma juíza e pode afastar o agressor; impede até mesmo que ele fale com a vítima. Uma alternativa mais extrema, para mulheres que só tem a casa do cônjuge e não estão seguras neste local, é o programa de abrigamento, que as mulheres são encaminhadas pela própria delegacia para estes locais. O sigilo do endereço é garantido.
PROTAGONISMO – Quando uma empregada doméstica de 24 anos resolveu filmar e denunciar abusos sexuais feitos pelo chefe, no bairro das Graças, Zona Norte do Recife, na semana passada, talvez não tenha tido a consciência do papel de protagonismo que assumiu, inspirando várias mulheres a seguir o mesmo caminho.
Caminho trilhado há 27 anos por Eliane Rodrigues, idealizadora e fundadora da Associação das Mulheres de Nazaré da Mata (Amunam). “Sou de zona rural e via na época o que minhas amigas passavam com os maridos e resolvi ocupar um espaço que é nosso por direito”, relembra Eliane, que já recebeu várias ameaças de morte após defender mulheres agredidas no município. A associação atende cerca de 150 pessoas por semana, mulheres e crianças a partir de 8 anos e também homens. “Não adianta discutir o fortalecimento das mulheres, se não inserimos também os homens na discussão. É uma questão cultural, arraigada, que precisa ser combatida continuamente, da raiz”, ensina. A Amunam oferece oficinas e cursos profissionalizantes, possui uma rádio comunitária e grupos de maracatu de baque solto e coco, exclusivos de mulheres, entre outras atividades de fortalecimento das mulheres.
CAMPANHA – Com a hastag #ElasNãoSeCalam, o portal NE10 abre espaço para que as mulheres compartilhem suas histórias de violência sofrida e, principalmente, de iniciativas de combate. Participe e ajude a gente a deixar o tema desta reportagem vivo a atuante. Como deve ser.
Do Portal NE10