No Brasil, milhares de trabalhadores foram resgatados nos últimos anos. Caso mais recente envolveu vinícolas do RS.
Milhares de brasileiros foram submetidos ao trabalho análogo à escravidão nos últimos anos. Só em 2022, foram resgatados 2.575 trabalhadores nessas condições, segundo dados do Ministério Público do Trabalho (MPT). Em 2023, a descoberta de outros casos no Rio Grande do Sul e em São Paulo reacendeu o alerta sobre a urgência de combater esse tipo de crime e reforçar as políticas de compliance nas empresas.
Em janeiro, o MPT realizou o resgate de 32 trabalhadores na zona rural de Pirangi, em São Paulo, onde trabalhavam com capina e o replantio de mudas em um canavial. Naturais do estado de Minas Gerais, eles foram contratados por uma empresa que prestava serviços para a usina da região.
Segundo o MPT, os trabalhadores foram transportados de forma ilegal e obrigados a arcar com os custos da viagem interestadual. Durante dez dias, eles não receberam alimentação ou salários e, assim, contraíram dívidas com os empregadores. Nos alojamentos não haviam camas, gás de cozinha, ventilação e chaves para fechar as portas. A fiação estava exposta e havia um bueiro de esgoto aberto.
Em fevereiro, outra ação resgatou 207 empregados de uma empresa em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul. A maior parte do grupo veio da Bahia para trabalhar em uma empresa que oferecia mão de obra para vinícolas renomadas da Serra Gaúcha.
De acordo com o MPT, quando observaram as condições de trabalho, parte do grupo tentou voltar para casa, mas foi agredida. Além da jornada exaustiva, os trabalhadores eram impedidos de deixar os alojamentos, onde viviam em situação precária e sofriam com agressões físicas e psicológicas.
Desdobramentos dos casos
Após as operações de resgate, as vítimas foram indenizadas e retornaram para casa. As punições previstas em lei foram aplicadas aos empregadores. As empresas que contrataram os serviços das terceirizadas também sentiram o impacto das irregularidades.
A Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) informou que as três vinícolas da Serra Gaúcha foram retiradas de suas atividades. O órgão é responsável por promover produtos brasileiros no exterior.
Nas redes sociais, os consumidores têm feito ações de boicote às marcas das bebidas. O MTE não descartou a possibilidade de as vinícolas também serem responsabilizadas pelo crime.
Urgência do compliance nas empresas
O compliance trabalhista é apontado como alternativa para combater o trabalho análogo à escravidão. Por meio dele, os empregados têm os direitos humanos e trabalhistas assegurados. Já os empregadores preservam a imagem e a reputação da empresa.
Na prática, ele consiste em garantir a conformidade com a legislação trabalhista. Para isso, dentro da empresa é realizado um treinamento de compliance com os funcionários para discutir o assunto.
A partir da compreensão sobre as leis trabalhistas, os profissionais de compliance elaboram as diretrizes internas que deverão ser seguidas por todos. Conforme o Instituto de Governança Corporativa (IBGC), o sucesso do programa depende do envolvimento da equipe, incluindo a alta direção da empresa.
O compliance trabalhista não se restringe ao ambiente interno. Ele também deve ser aplicado nas relações com fornecedores e parceiros. O chamado due diligence consiste no procedimento de investigar previamente as empresas com as quais se pretende estreitar relações.
Após a criação do programa de compliance, é necessário dar sequência ao trabalho com atividades de monitoramento e fiscalização. A implantação de um canal de denúncias e a realização de auditorias são estratégias para prevenir e combater irregularidades.
Em pesquisa feita sobre o tema, as advogadas Dheneffer Silva Morais e Fernanda Deliane da Silva afirmam que o compliance trabalhista preenche uma lacuna observada no Brasil: as ações contra o trabalho análogo à escravidão concentram-se na punição de casos existentes, sendo necessário manter formas de prevenção para evitar que mais trabalhadores sejam vítimas do crime.