De Código a Orquestração: Como a IA Me Forçou a Ser um Desenvolvedor Melhor

Houve um tempo, não muito distante, em que meu valor como desenvolvedor era medido pela minha velocidade de digitação e pela minha capacidade de memorizar algoritmos complexos e a sintaxe de múltiplas linguagens. Eu era um artesão de código, construindo funcionalidades linha por linha, com um orgulho quase teimoso em cada ponto e vírgula. Hoje, meu trabalho se parece mais com o de um maestro orquestrando uma sinfonia de alta tecnologia, e a Inteligência Artificial é o meu primeiro-violino.

Essa transição não foi instantânea nem livre de atritos. Quando as ferramentas de IA generativa invadiram meu VS Code, a sensação inicial foi de invasão. Parecia que um assistente excessivamente prestativo estava constantemente tentando adivinhar meus pensamentos, muitas vezes de forma errada. Minha primeira reação foi desativá-lo. “Eu não preciso disso”, pensei. “Isso só vai me atrapalhar”.

Mal sabia eu que essa ferramenta, que eu via como uma distração, seria o catalisador para a evolução mais significativa da minha carreira. Este é o relato de como parei de lutar contra a IA e aprendi a usá-la para me tornar um engenheiro de software mais completo, focado no que realmente importa: resolver problemas.

A Primeira Mudança: De Escritor para Editor de Código

O primeiro “clique” aconteceu quando me deparei com a tarefa de integrar uma API de terceiros que possuía uma documentação notoriamente confusa. O trabalho envolvia criar um cliente HTTP, lidar com autenticação OAuth 2.0, gerenciar tokens e tratar uma dúzia de possíveis erros. Era um trabalho tedioso, o tipo de tarefa que consome um dia inteiro em pesquisa e experimentação.

Em vez de começar do zero, decidi dar uma chance à IA. Descrevi em um comentário o que eu precisava: “Criar uma classe em TypeScript para consumir a API X, com métodos para GET e POST, tratando a renovação automática do token de acesso”. Em menos de um minuto, eu tinha um arquivo completo, com a estrutura de classes, os métodos e o tratamento de erros básicos.

O código não estava perfeito. Havia arestas para aparar e lógicas específicas do nosso negócio para adicionar. Mas ali estava a revelação: meu trabalho não era mais o de escrever 100% do código. Meu novo papel era o de revisar, validar, refinar e contextualizar. A IA produziu a matéria-prima, e eu entrei como especialista para garantir a qualidade e a segurança. Essa nova dinâmica não anula a necessidade de fundamentos sólidos; pelo contrário, ela a reforça. É um ponto que vejo ser muito bem abordado em comunidades sérias, como no Cantinho Binário – Tecnologia e Conhecimento, onde o debate não é sobre substituir o dev, mas sobre como elevá-lo.

Expandindo o Horizonte: A IA como Ferramenta de Descoberta

Com a confiança estabelecida, comecei a usar a IA de formas mais criativas. Ela se tornou minha parceira para explorar o desconhecido.

• Geração de Testes Unitários: Escrever testes é crucial, mas muitas vezes repetitivo. Hoje, depois de escrever uma função, peço à IA: “Gere 5 testes unitários para esta função usando Jest, cobrindo o caminho feliz, entradas inválidas e casos extremos”. Isso não só acelerou meu ciclo de TDD (Test-Driven Development) como também me forçou a pensar em cenários que eu poderia ter esquecido.
• Documentação Instantânea: Quem realmente gosta de escrever documentação? Eu certamente não. Agora, eu finalizo uma classe ou módulo complexo e peço para a IA gerar a documentação no formato JSDoc ou DocString. Eu apenas fiz uma revisão e ajuste, garantindo que o “porquê” por trás do código esteja claro.
• Refatoração Guiada: Em vez de olhar para um bloco de código antigo e pensar “como posso melhorar isso?”, eu pergunto à IA. “Refatore este código para torná-lo mais legível e eficiente. Use padrões de projeto modernos”. Ela frequentemente apresenta soluções elegantes, como substituir um for loop” complexo por uma combinação de map e filter, ou introduzir um padrão Strategy onde eu estava usando múltiplos if-else.

O Verdadeiro Salto: De Solucionador de Problemas a Estrategista

A consequência mais profunda dessa parceria foi a liberação do meu tempo e da minha carga cognitiva. Ao automatizar grande parte do trabalho mecânico, ganhei espaço para me concentrar em questões de nível superior que definem um engenheiro sênior.

Passei a dedicar mais tempo desenhando a arquitetura de sistemas, discutindo requisitos com a equipe de produto, mentorando outros desenvolvedores e pesquisando tecnologias emergentes. Meu foco se deslocou de memorizar sintaxe para saber gerenciar um ecossistema complexo de soluções. A habilidade de selecionar, integrar e otimizar as melhores ferramentas de produtividade para devs torna-se mais valiosa do que nunca, pois a eficiência não vem de uma única tecnologia, mas da orquestração inteligente de várias delas.

A IA não me tornou um programador pior ou preguiçoso. Pelo contrário, ela removeu os obstáculos que me impediam de focar nas habilidades que realmente agregam valor: pensamento crítico, visão de sistema, comunicação e design de soluções robustas.

Conclusão: O Arquiteto e a Equipe de Construção

No passado, eu me via como um construtor, colocando cada tijolo da aplicação com minhas próprias mãos. Hoje, me vejo mais como um arquiteto. Eu ainda entendo profundamente como cada tijolo funciona, mas meu principal trabalho é projetar a planta, garantir que a fundação seja sólida e orquestrar as equipes (humanas e de IA) para construir o edifício da forma mais eficiente e segura possível.

A Inteligência Artificial não é o fim da programação. É o fim da programação como a conhecíamos. Para aqueles que estiverem dispostos a soltar o ego, a abraçar a colaboração e a evoluir de artesãos de código para arquitetos de soluções, o futuro nunca foi tão promissor.

Acompanhe mais notícias no Jornal Montes Claros.com.br e fique por dentro dos principais acontecimentos da região!