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Adilson Cardoso
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Coluna – A Chegada de João Ubaldo no Paraiso

– Jorge, Jorge! Vocifera Zélia Gatai ao marido que balança tranquilamente na rede. – Meu São Jorge de Ogum valha-me! O que houve criatura? – Home de Deus, acabei de saber que João Ubaldo está chegando! A serenidade de Jorge Amado se fez de espanto, passando a mão pelos cabelos arrepiados e uma ligeira passada de língua nos lábios, sem palavras caminhou até o chalé de flores na entrada e bateu forte na porta de madeira que soou feito repiques dos tambores do Olodum. Da sacada com seu chapéu quebrado na testa e uma sanfona dependurada no peito, Luiz Gonzaga sorriu e tocou um trecho de uma canção. – Eita caba da peste! Tá pensano que durmo com os zóio dos otros, já até preparei a moda de chegada pra ele! Jorge Amado de sorriso largo abraçado por Zélia se virou observando com atenção Drummond falar ao ouvido de João Cabral, cercados por Cecilia Meireles e José Lins do Rêgo, a conversa estava tão interessante que os três poetas se juntaram numa espécie de dança de roda, girando e voltando ao ponto de partida. José Lins batia palmas, a coreografia parecia necessitar de mais ensaios e Cecília deixava os cabelos ondulados caírem para um lado. Na sacada onde Gonzagão cria suas notas Dominguinhos aparece e acena para os amigos indicando que descerá. Poucos segundos depois a porta principal se abriu em frente às flores e os dois Sanfoneiros fizeram soar amplamente as canções que tanto marcaram a gente da terra, um côro gritou o nome de João! João Ubaldo Ribeiro que estava a caminho daquele Paraiso. O sol queria contribuir, refletindo seus raios dourados sobre a relva de verde primavera, pássaros voavam dançando ao ritmo dos acordeons enquanto Jacson do Pandeiro surgiu como malabarista rodopiando seu instrumento nas mãos para a felicidade do seu Luiz, Monteiro Lobato de terno branco decifrava as bicadas do Pica Pau Amarelo em um abacateiro. Paulo Freire como sempre cumprimentava todos a volta com um aperto arrochado na mão, principalmente no seu amigo Darcy Ribeiro a quem tece os melhores comentários sobre o escritor que dali a pouco entraria pelo portão da eternidade.  De repente como que cronometrado os músicos pararam e a voz do escritor de Sargento Getúlio surge do interior da casa: – Mas que festa é esta sem comes e bebes e sem um bom charuto para se fumar! O silêncio gelou por instantes, até o Pica Pau do Abacateiro parou para escutar. – Mas como? Indagou João Guimarães Rosa de canto de boca a Manuelzão que segurava uma espingarda, mesmo tendo lidado com todos os tipos de aparições das caatingas não conseguia entender. A voz ressoou novamente, e, descortinou-se em corpo por trás dos tocadores, para a surpresa e riso de todos, era o Chico Anísio das inúmeras faces e vozes, estava acompanhando de Rogério Cardoso e Ronald Golias, os três imitavam alegremente os passos das Chacretes. Candido Portinari não queria deixar o momento sem algo que reforçasse aquela união e escreveu numa faixa; “Bem vindo João Ubaldo”. Millôr Fernandes com uma charge de personificação do escritor fizera uma frase “Bem vindo amigo, mas sem o sorriso do Lagarto”. Machado de Assis como sempre econômico nas palavras olhava para todos demonstrando satisfação em receber mais um, da sua Academia de Letras, Juntou-se a Austregésilo e José de Alencar, ajeitando o pince-nez para observar melhor.  E a dupla de sanfonas retomou o duelo, Gonzagão só tirou os olhos das manobras de Dominguinhos para receber a benção do seu filho Gonzaguinha que apontava para a as margens do riacho, onde Patativa do Assaré e Virgulino Ferreira andavam displicentemente contando versos, seguidos por Renato Russo e Cazuza que insistiam para que Clarice Lispector os acompanhasse, mas a sisuda escritora fumava tranquilamente, fingindo não entender. E a musica, os comes e bebes sugeridos pelo Chico ficaram sob a guarda daquele lindo dia até a chegada do João, o João aquele João que entre tantos Joões é Ubaldo Ribeiro que deixa órfãos tantos fivros e vazia a cadeira de numero 34.

Por Adilson Cardoso

Adilson Cardoso
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