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Adilson Cardoso
Adilson Cardoso

Coluna – As Pedras Rolam

Lourdes era chamada pelo diminutivo de Lourdinha, alguns a tratavam por  “batôca” contra sua vontade, já que a alcunha fazia referencias ao seu porte físico de alguns quilos a mais. Cabelos encaracolados, ruivos e uma pele branca sem vida, os olhos eram castanhos e viam menos que as fantasias da sua cabeça. Sua mãe era a dona  Lourdes Maria, e seu Pai era… Este ela preferia nem dizer o nome já que vivia trabalhando em serviços informais e gastando o pouco que recebia em jogos, bebidas e prostitutas. Eram quatro irmãos somando cinco com Lourdes, todos sustentados pela Lourdes Maria que lavava roupas e fazia faxina em casas de família. Lourdes estava com dezessete anos e fazia cursinho pré-vestibular gratuito  durante a noite, seu sonho era formar-se em medicina para cuidar da mãe quando ficasse velha, aos sábados peregrinavam juntas ela  como faxineira auxiliar para ajudar nas despesas de casa e comprar livros sobre doenças. Numa destas casas que fazia serviços havia um rapaz dois anos mais velho que ela,  estudante de medicina que esbanjava arrogância e preconceito. Mas o destino com a sua crueldade linear, impusera a Lourdes uma paixão doentia, olhava para ele como se olhasse para uma escultura de Michelangelo, adorava seu andar, seu jeito de gesticular quando falava das aulas que aprendia sobre Clinica Medica, e ela se deliciava, endeusava o chamando de Doutor Ferdinando. Ele percebera que o rosto dela mudava a cor ao olhar em sua direção, que a voz tremia quando precisava lhe falar e  isto lhe soava caricato, mas foi deixando fluir como se quisesse algo com ela, um beijo no rosto, outro de leve nos lábios… Simplória enamorada, dançava no seu quarto humilde  em frente um  pedaço de espelho do guarda-roupas de duas portas, imaginando a valsa de noiva com o Dr Ferdinando, lia nas paredes uma manchete de primeira página no jornal “Casamento do ano mobiliza a sociedade, Dr Ferdinando e Dra. Lourdes”. Mas o arrogante acadêmico  queria  humilhar para demonstrar superioridade,  nas rodas de conversas com colegas, galhofafa daquele amor platônico da faxineira. Amor tão grande que lhe roubava o ar lhe tirava o chão e acelerava o peito quando o via, se beijavam escondido, se tocavam como amantes tórridos de desejo, mas ela pedia que conservasse a virgindade até o dia que trocassem alianças, ele ria por dentro, mas enganava aquela criatura adiando seus planos. E ela estudava como nunca, tinha obrigação de ser aprovada, antes o sonho era por ela e pela mãe, agora seria por ela a mãe e por ele. E num daqueles sábados de faxina Lourdes se vestira  com uma saia jeans ganhada da tia no ultimo natal,  as pernas roliças que destacava-se,  um sapatinho preto que só usava para a missa dos domingos e uma  blusa de malha com  estampa colorida de duas araras vermelhas. Por baixa usava um conjunto de lingeries comprado  escondido da mãe, para aquele dia que julgava ser especial. Ferdinando estava sozinho em casa e Lourdes Maria estava em outro canto, numa outra faxina. Se beijaram loucamente, desta vez sem falsidade, ele tinha tesão no sangue, que vibrava feito concreto dentro dela,  que estava no seu  conto de fadas, se sentindo  a mulher do Doutor, prometera a mãe que só se entregaria para o homem certo, ele era. Mas ela infelizmente não passava de uma mera brincadeira prazerosa, a gata borralheira que jamais passaria de uma puta marionetizada em suas mãos. Ela tinha o cheiro de um perfume da Avon que conseguira adquirir e tinha também seus movimentos gravados por uma filmadora montada por ele. Naquele mesmo dia sem conseguir conter-se de felicidade fora até uma Lan House para pesquisar sobre o conflito na Faixa de Gaza, ali notara  que um computador estava cercado de garotos, adolescentes masturbadores, que contemplavam e comentavam os  seios e outras partes  de uma moça mostrada em um vídeo, diziam coisas escabrosas de como fariam se tivessem oportunidades de tê-la. Numa clareira aberta  por acaso naquele  meio, reconheceu o quarto, ouviu sua voz em gemidos e o rosto de Ferdinando  sorrindo para a câmera.  As vinte três horas e quarenta e quatro minutos a policia bateu no portão da aflita dona Lourdes Maria, que não sabia mais onde procurar a filha  desaparecida  desde a tarde. O policial dissera que infelizmente a moça estava morta, saltara do viaduto e fora atropelada por uma ambulância que levava um estudante de medicina em parada cardiorrespiratória por overdose de heroína.

Por Adilson Cardoso

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