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Adilson Cardoso
Adilson Cardoso

Coluna – Mistérios da Interpretação

O marcador estava caído no chão, Beatriz não se lembrava de aonde havia parado, seria na página noventa ou noventa e um. Sabe que a personagem corria pela praia deserta buscando refugio da chuva que ameaçava pelo vento forte e o céu tenebroso. Mas isto pouco importava, a vontade incontável de ver o desfecho daquele enredo a faria voltar duas ou três páginas sem o menor ressentimento. Liza era o nome daquela moça que experimentava com seu namorado, que a tinha como amante, já que era casado com uma prima dela, uma grande aventura pela costa das Ilhas do Coral, um arquipélago pouco conhecido ao Norte do Rio de Janeiro. Pescadores mais velhos contavam inúmeras histórias de sumiço de colegas naquele lugar, mas por ser leitora assídua do mestre do suspense Stephen King, Liza imaginava sendo possuída pelo namorado/amante em cima de crânios dos supostos desaparecidos. Yago pegara folga de três dias da sua intranquila função de Agente Penitenciário e usufruiria do barco de um traficante preso, este por sua vez usufruía de regalias concedidas sob injeções de algumas notas de reais. Isto é o que consta nas primeiras paginas do livro onde Beatriz voltava para recordar o momento da partida e as justificativas de Yago para sua esposa prima da sua amante. “Parece que o autor se esquecera de contar”. Pensava em voz alta passando com fugacidade até chegar à página noventa, Liza corria desesperada pela praia deserta, ventava forte e o céu escuro tinha uma face demoníaca e tentava engolir tudo ao redor, mesmo assim ela não tinha medo, se sentindo dentro do quarto 1408, corria apenas por causa do granizo que provavelmente vinha com a chuva. Mas ela estava chorando, tinha pavor nos seus olhos, à interpretação da sua ausência de medo era da subjetividade de Beatriz, pelo contrário Liza não só padecia de um pavor imensurável, como também estava sendo perseguido, um barulho de tiro se ouvira do meio da mata, com uma voz grave gritando que ela não tinha como escapar, o trovão ecoara violento atraindo raios. As águas do mar começaram com um movimento de ondulações e subiam como se fossem ejetadas do fundo, a chuva descera como estava previsto nas nuvens negras, forte com ventos furiosos e aquelas pedras caindo sem direção. Ao ver que os seus perseguidores desistiram, pelo menos temporariamente Liza refugiara-se sob uma formação de pedras que lembrava o Stonehenge, nada se podia enxergar poucos metros à frente, o barulho infernal das ondas e os trovões deixavam o cenário ainda mais aterrorizante.  De repente um toque leve na porta, Beatriz tentou resistir, travestida de Liza e sentindo aquela emoção pavorosa, mas a porta foi tocada, uma, duas, três vezes, até a paciência se esgotar e ela abrir bufando de raiva. Era Eveline sua vizinha que adorava contar coisas superficiais, sempre com um Smartphone nas mãos tirava fotos e publicava nas redes sociais a cada trinta segundos. Beatriz ainda tentou se fazer de pouco interessada naquele papo “aranhoso”, mas Eveline sentou-se ao lado da cama, arrancou sem pedir licença o livro das suas mãos e folheou procurando figuras fez uma careta pelo numero de páginas e entregou de volta deixando o marcador cair no chão. Beatriz bocejava e coçava a cabeça, fingia não estar ouvindo, olhava para o teto, porém a vizinha estava com energia de sobra e queria falar sobre o programa de reality show que fizera inscrição, também sobre os homens malhados da academia que lhe piscavam quando ela ia de bermuda amarela. E Beatriz tentando abrir o livro para voltar ao conflito de Liza. A porta do quarto é tocada novamente, Beatriz em busca de subterfugio se levanta para abrir, mas, Eveline feito um raio atravessou o caminho e fez um sinal silencioso de psiu, com o dedo indicador verticalizado no meio da boca. Sem entender nada Beatriz parou no meio do quarto ouvindo as batidas constantes na porta e a face ruborizada da vizinha que não tirava o dedo dos lábios, balançando negativamente com a outra mão pedindo que não abrisse. 

Por Adilson Cardoso

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