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Adilson Cardoso
Adilson Cardoso

Coluna – Crônica para não entender as coisas

Todas as coisas tem sentido, pequenos insetos e suas vidas de labores. As pessoas vão e voltam, carregam fardos pesados e são submetidas à hierarquização sócia, assim como os insetos. As luzes entram por lugares apertados e se transformam em linhas rígidas como barras transparentes esticadas em diagonais, mas as pessoas possuem tipos peculiares de girarem as mãos acompanhando as falas, e de piscarem seus olhos quando contam mentiras, de mordem os lábios em sinais de irritação… Enfim pessoas se desentendem nas meras tentativas de serem entendidas, quando se observa de perto novos sentidos se dão a todas as coisas e novos conceitos a todos os seres. O tempo é elemento que muda totalmente a sua função ordinária quando mergulhamos em seus fragmentos. Por exemplo, o tempo de ouvir o toque de uma sirene até o outro toque em espaços de sessenta minutos. É possível notar dentro do intervalo uma partida de dominó que se inicia e termina um fumante acender de quatro a seis cigarros, baratas saírem dos buracos da privada e rondarem em duplas e trios e retornarem perseguidas por escorpiões amarelos. Buzinas ao longe repetem como se falassem com rancor, pela cabeça passam-se ideias, mas nenhuma conclusão de pensamento. Exceto fantasias com algumas mulheres que precisam ser estruturadas para que o campo visual mostre aquilo que o desejo pede, ou antigos jogos de futebol que se vê o lance que marcou a partida. O livro é uma coisa, um objeto interessante. Quem nunca teve curiosidade ou paciência para ler se surpreende ao pegar gosto pela história, o comentário é devido à insistência em ler um livro de Jorge Amado, fino, mas carregado de letras miúdas que dava sono ao abrir, muitas foram às tentativas até que uma luz guiou e se acendeu nas entranhas da pobreza daquele povo baiano, sem posses e se matando para forrar os estômagos dos filhos e da mulher. O nome do livro é Cacau, e quem dormia era um aluno do sexto ano. O livro mergulha o leitor literalmente na lama, tragado pelas paginas como se fosse pó agredido pelo aspirador. É possível enxergar a lama e se arrepiar com o frio dos pés descalços, às vezes por loucura do subconsciente vem o calor quando corpos se aproximam em momentos de intimidades. Mas não deixemos de lembras das coisas que não precisamos entender, uma caneca de vidro estava sobre a mesa com um cheiro de café, formigas rondavam buscando maneiras de chegarem até as gotículas que sobraram no fundo, havia também uma faca sobre um prato coberto com um pano branco, o pano era bordado nas pontas e no interior tinha flores desenhadas, pintadas com esmero por alguma pessoa que não assinara seu nome. Flores compridas com galhos verdes se misturavam aos amarelos, dentro do prato estava um queijo cortado pela faca que estava sobre o pano, se dependesse de um garoto bochechudo que jogava videogame no quarto os produtores de queijo já estariam em outros ramos de atividades, já que todas as vezes que se comprava a iguaria adorada pelos Mineiros ele implorava que a mãe lhe fizesse o bolo de fubá que gostava, dizia com todo seu rancor de garoto ranzinza que “não comia o troço nem que lhe pagasse em barras de chocolates um milhão de dólares”. Na parte da manhã a cozinha ficava com aspecto sujo até às dez horas, a empregada dava prioridade para lavar as roupas e organizar os quartos, no inicio da jornada. O garoto que não gostava de queijo se descobrira chantagista há poucos dias, quando flagrara o padrasto apertando a bunda da empregada, com isto para que a mãe não soubesse fora presenteado com videogames e o boneco do Wolverine importado da China. O artista que pintara o pano de prato fora um negro de anéis de coco nos dedos de uma praça do centro da cidade, a professora de português da escola do garoto chantagista lhe tecera bons elogios e vendera a família alguns exemplares. Há muitas coisas que procuro entender e ainda não consegui, mas não é possível dizer claramente em crônicas sem o dever de informar nada, talvez se este pretenso escritor se posicionasse a favor de uma descrição exata dos primeiros carregamentos de ouro da Antiga Vila Rica, muitos leitores se cansariam com tamanha corrupção dos enviados do Rei a nossas Minas Gerais. Assim quanto mais se busca entender mais fácil fica de se complicar.

Adilson Cardoso
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