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Adilson Cardoso
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Coluna do Adilson Cardoso – Das coisas que não entendemos

Coluna do Adilson Cardoso – Das coisas que não entendemos

Cheguei ao posto de gasolina aproximadamente 08h: 23 minutos, era sexta-feira dia 15 de janeiro do ano de 2016. Ainda gozaria 10 dias do restante das férias, minha mulher olhava uma revista na banca de um cara sisudo e pouco atencioso com os fregueses, notei porque fingi não ver que o lavador de carros saia com uma revista masculina escondida sob o avental de courvim. Fila para mim sempre foi sinônimo de tédio, naquele dia havia algo a mais que era a vontade de chegar logo em casa depois de tantos dias, morria de saudades do meu cachorro e de curiosidade para ver como ficaram minhas pinturas que não havia  secado quando viajei. Posto Caititu, era o nome imenso de letras sombreadas numa placa de fundos vermelhos denunciando sinais dos tempos, descascava abaixo das letras “S e T” de Posto e “I e U” da outra palavra, pensei em tomar uma cerveja, mas um policial estereotipado de Xerife do Velho Oeste que puxava as calças a todo o momento olhava para mim com alguma insistência, achei melhor não procurar contendas com a “lei seca”, mas fumei um cigarro tragando fundo e vendo a fumaça se perder no vento. Chegou a minha vez na bomba de gasolina, enchi o tanque e entreguei o cartão ao frentista que olhou estranho nos meus olhos como se houvesse lhe dito algo que o magoasse. Girei a chave na ignição e a luz do neutro acendeu com vivacidade, desliguei novamente apenas na intenção de fugir daquele semblante pouco atrativo, minha esposa recolocou a bolsa de lona nas costas e apertou os nós com um cheiro de maça verde no hálito (sua bala predileta). Retirei os óculos escuros dependurados no colar do deus Tupã que pendia sob meu pescoço e coloquei nos olhos, a viseira ficou aberta, tomei o cartão de crédito das mãos do frentista e ocultei no bolso, novamente me vi defronte aquele rosto estranho que parecia dizer alguma coisa sobrenatural, mas não tinha a mínima curiosidade de saber. Aceleramos até ver a velha placa feito uma pequena tira de metal, segundo  indicações teríamos mais 150 km para trilhar, mas estava prazeroso, o sol da manhã tinha cheiro de  aventura, era período chuvoso, destes que milagrosamente se rende ao carnaval e abre os caminhos, grandes e verdes árvores povoavam as laterais da estrada, flores de Ipês deslizavam amarelas sobre cipós que se entrelaçavam, Sagüis faziam caretas e saltitavam,  pequenos pássaros disputavam corridas juntando  em bandos de um lado a outro, o azul do céu vinha aparecendo e desaparecendo atrás de nuvens brancas que andavam em forma  de animais.  Bestificado com tamanha beleza meus olhos pouco notavam que o painel da moto marcava 100 e 110, numa alternância que parecia premeditada pelo meu inconsciente. Ao voltar o sentido fui diminuindo por observar que há poucos metros uma senhora andava com dificuldades carregando um feixe de lenha na cabeça, ao seu lado se arrastava caquética uma criança de pés no chão, estavam visivelmente machucadas, já que rastros de sangue ficavam nítidos em suas pegadas. Diminui ainda mais a velocidade, medida que me aproximava daquela dupla de sofredores, até que ao seu lado passei a 20 km/h a intenção era parar a frente e oferecer alguma ajuda, já que naquele ermo de chão qualquer socorro seria por milagres.  Mas assim que virei meu rosto para elas senti um terrível arrepio em toda a extensão do meu corpo, um medonho impulso tomou conta das minhas mãos e por pouco não jogo a moto sobre o mato. Minha esposa que havia mergulhado no “Sonho de Ícaro” estava com o fone no ouvido, assustou-se quando eu tentava retomar a direção na estrada. Lá na frente ainda olhava para trás como cachorro fugindo de onça, revendo as feições esqueléticas e sangrentas naqueles rostos que se arrastavam feito almas penadas, quiçá, não fossem as próprias, minha mulher gritava desesperada se eu estava ficando louco, mas eu não tinha aquela resposta, estava realmente acontecendo aquilo, ou era a própria loucura tomando conta de mim?  Em linha reta pude parar a certa distância e ver que no retrovisor não tinha nada além das marcas de frenagem deixadas por mim. Segui mudo até  pararmos numa cidade próxima de nome Capitão Enéas. O restaurante modesto tinha um quadro negro na porta com uma inscrição em giz branco “Hoje feijão tropeiro e frango caipira com quiabo” algo que julgo ser uma das minhas fraquezas nesta vida, almoçamos em silêncio, quando veio a conversa descobri  que minha mulher não havia visto o mesmo que eu, ainda incrédulo com tudo por ser um descrente nas coisas do além, paguei a conta e retomamos a viagem. A duas quadras a frente  um pobre cortejo seguia rumo ao cemitério com cara de mau cuidado que ficava a direita da Rodovia, eram dois caixões, um grande marrom e outro pequeno  branco. Por respeito fui devagar, mas com uma sensação muito estranha dentro de mim, a imagem das duas criaturas, a mulher com a lenha e a criança magricela com todo aquele sangue povoavam  a minha imaginação, mas julgava ainda prematuro para contar a minha esposa que pelo que conheço faria perguntas de coisas que não saberia  explicar. Ao avistar a placa de siga a direita com o nome de Montes Claros a 50 km, minha mulher pediu que parasse no posto de gasolina, pois precisava usar o banheiro. Atendi e dentro do posto fui a loja de conveniência tomar um refrigerante, sentei-me ao lado de dois homens que usavam crachás de repórteres,  eles tomavam cervejas e  falavam sobre um atropelamento de mãe e filho ocorridos ontem há 01 km dali, a senhora e a criança foram encontradas sem vida 04 horas depois do acidente, o motorista fugiu sem prestar ajuda. Um deles olhou no relógio e disse que o sepultamento seria naquela hora.

Por Adilson Cardoso

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