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Adilson Cardoso

Coluna do Adilson Cardoso – Pavilhão dos Condenados

Coluna do Adilson Cardoso – Pavilhão dos Condenados

Eram passos ruidosos com vozes se misturando ao longo do corredor, um senhor de rosto caricato de estatura baixa sorria soltando fumaça pela boca, com imensa destreza conseguia falar com o cigarro entre os dentes, de acordo com as frases desferidas aquela coisa se movia desarmonicamente, o homem tinha pouco cabelo na cabeça, a frente era desordenada deixando apenas um miolo de fios arrepiados no centro da cabeça, em volta distribuíam-se tiras ralas como estreitas ilhas se perdendo no precipício rumo orelhas e nuca. Dos dois lados do corredor viam-se grandes gaiolas entulhadas de aves galliformes, cocoricando, como se anunciassem outro dia na insalubridade daquele canto. Uma  galinha D’angola ciscava sem preocupações dizendo algo a sua amiga que fazia a mesma coisa, na sua língua se entendiam e chegavam a se tocar de vez em quando, havia aquelas pequeninas de penas brancas denominadas de Garnisés  pareciam  preocupadas, andavam sem descanso e giravam  as cabeças  em todas as direções como se procurassem  alguma coisa. Uma senhora gorda de blusa azul de malha encardida trazia amarrado à cintura uma espécie de saco, ao andar era possível ouvir o tilintar de moedas, seus pés estavam aparentemente inchados e ela fazia questão de mostrar aos que transitavam que abaixo dos joelhos também havia edemas, apertava com o polegar, uma, duas e até três vezes até fazer a marca em profundidade e ela olhar piedosamente e pedir uma esmola, quando não tocava no interior como ela pretendia, sacava dos seios uma foto de uma criança desnutrida e entregava para ser analisada, ali contava suas histórias e suas dores, quando recebia uma gratificação pelo “teatro” agradecia conforme o tamanho do que ganhou, indo de um simples obrigado até um Deus te ajude a ter em dobro. Assim ficava naquele espaço como uma sentinela condenada a passar os dias indo até o inicio do corredor e voltando ao seu final, ordinariamente fazendo as mesmas coisas, quando a memória lhe traia abordava alguém que já se confrontara, mas estava preparada interiormente com todas as palavras e gestos decorados. De repente um garotinho com um aparelho eletrônico nas mãos vestindo um jeans azulado e uma camiseta branca com o nome de time de Basquete Americano, se aproxima com sua mãe que não se lembrou que o sol estava lá fora, e, os óculos que trazia no rosto com uma grande marca internacional estampado, não a deixaria enxergar o horror de galos, galinhas e galetos condenados a morte. Seus cabelos cortados sobre os ombros denunciavam pintura recente com cachos forçados sobre as orelhas, vestido verde veronense de tecido brilhoso como se viesse ou se preparava para festa. Parada no centro do corredor apontou de forma desdenhosa para uma galinha pintada que pareciam dormir, seus olhos sonolentos foram bruscamente abertos, ao ser retirada por uma mão negra de veias salientes que a suspendeu em frente à senhora que apenas balançou a cabeça dizendo sim. O garoto no seu mundo eletrônico digitava freneticamente, a galinha gritava, parecia pedir socorro, na gaiola outras galinhas se manifestavam com medo, o galo cantava novamente, desta vez queria pedir a mais carregada das nuvens que passasse com sua escuridão e cobrisse a luz do dia. A mulher que mostra suas pernas inchadas e a foto da menina desnutrida se aproximou sedenta, fez cara de dor, mas antes de iniciar o primeiro ato da sua encenação, aquela que sustentava seus óculos de marca internacional no ollho fingiu não notar  a presença, disse algo ao dono da mão negra que retirou a galinha e caminhou apressada puxando o garoto. Trinta minutos depois, estava de volta e recebia daquelas mãos negras de veias salientes uma bandeja de isopor coberta por um plástico, lá dentro se via diversos pedaços de carne, uma carne amarelada de um interior esbranquiçado. Dentro da gaiola a vida parecia seguir sem pressa, sem medo e sem preocupação principalmente para uma galinha robusta que cantarolava sem algumas penas no pescoço.

Por Adilson Cardoso

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