Coluna do Adilson Cardoso – O menino e o sonho
Magricela, olhar apático e pele escura, pés descalços e ingenuidade de criança. A idade ninguém sabia, talvez nem tinha escrito em papel, muitos desses perambulam sem registros. Entrou na Padaria requintada de clientes nobres.
— Moça, me dá um sonho?
A atendente ignorou, mudando a direção do olhar.
— Moça a senhora pode me dar um sonho?
Incomodada se aproximou furiosa.
— Pague no caixa primeiro!
— Mas eu não tenho dinheiro! – Disse passando a mão no bolso vazio.
— Vá pedir sua mãe a mesada do Bolsa Escola!
— Eu não tenho mãe!
— Então suma daqui! Está incomodando os clientes!
Com os olhos fixos naquele balcão de vidros iluminados, disse quase em sussurro.
— Só queria um sonho.
Andou com uma mágoa diferente das tantas outras que acumulava. Porque foi dentro de um sonho, destes poucos que criança de rua tem, que nascera o desejo de comer um sonho açucarado com recheio de doce de leite. Pouco a frente um homem fazia propaganda de colchões.
— Ei você! Sim é você mesmo que está passando! Quer ter os melhores sonhos? Então entre e confira nossas ofertas!
— Moço, ei moço! – Disse puxando o homem pela calça!
— O que é menino? Tenho dinheiro não!
— Eu quero um sonho!
— Me larga pivete, vá caçar uma cola pra cheirar! – Esbravejou voltando ao megafone.
Muita gente se acotovelava na entrada da loja, colchões trombavam uns nos outros, caiam das cabeças, eram arrastados, batiam nas prateleiras e até apagavam luzes. O menino que queria um sonho entrou deslizando entre aquele emaranhado de pernas. O interior da loja era imenso, havia colchões de todas as formas e cores, fazia calor e muito barulho, mas não havia sonho. Os seguranças estavam por todos os cantos se comunicando em rádios e celulares. Um deles agarrou o garoto pelo braço e o arrastou como se faz com as caixas de lixo, lá fora ele foi chutado e jogado na rua.
— Ei você, sim é você mesmo que está passando! Quer ter os melhores sonhos? Então venha até a nossa loja! Mas venha rápido que está acabando! – Gritava o homem de um lado a outro com seu megafone.
— É mentira! Gritou o garoto empurrando o homem.
Cabisbaixo, saiu sem rumo regurgitando aquela amarga decepção. Numa esquina movimentada outros garotos corriam perseguidos por Guardas Civis de armas em punho.
— Pega Ladrão! – Gritaram da janela do prédio.
. Um estalo de tiro, gritos apavorados. Um negrinho sujo caído.
— Chame o SAMU, tem um ladrãozinho ferido! – Ecoou uma voz no meio dos curiosos.
— Por mim que morra! Isso é semente do mal! – Se opôs uma mulher que filmava.
O socorro chegou com atraso, o negrinho de olhos profundos dava os últimos suspiros, dos lábios debilitados saíram aquelas poucas palavras..
— Eu só queria um sonho.