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Adilson Cardoso
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Coluna do Adilson Cardoso – Eu volto amanhã

Coluna do Adilson Cardoso – Eu volto amanhã

Não gosto de escrever sobre fatos verídicos. Há muitos jornais que já se ocupam deste oficio nefasto, por saberem que o povo gosta daquilo que cheira á sangue. Mas neste caso em especial, vou abrir uma exceção, mesmo sabendo que não é o primeiro, tampouco será o ultimo. Para ficar sempre vivo na minha memória. Estava eu naquela cidade há menos de um mês, a convite de um amigo que abrira um atelier, eu era professor de desenho e pintura. Localizava-se num bairro de classe media para alta, onde ficava a prefeitura e alguns notáveis comércios, o atelier ocupava os primeiros de um prédio de cinco andares. Naturalmente nas tardes quando encerrava minhas obrigações eu descia e atravessava uma encruzilhada infernal, por possuir quatro semáforos em constantes manutenções que, ás vezes pifava em pleno calor da passagem. Após a perigosa travessia, sentava-me em um barzinho frequentado por amantes da arte, o proprietário era ex-ator figurante que já havia participado de mais de dez filmes, entre eles; Tropa de Elite e Estômago. O povo gostava de ver suas fotos com  atores famosos e, ouvir as  fofocas daquele meio. Numa sexta feira eu voltava meio ébrio, fumando um cigarro e me imaginando nas ruas molhadas de Paris, estava me sentindo  o personagem “Gil” do filme Meia Noite em Paris. Quando um garoto de mais ou menos doze anos de idade, gritou-me do outro lado da rua, eu já estava em frente à escada do prédio. Havia uma pequena árvore e um banco em baixo, a luz era fraca, mas era possível ver que uma mulher estava assentada. O rapazinho se vestia bem, um terninho preto como se viesse de, ou estivesse indo a uma festa, a mulher segundo ele era sua mãe e não se sentia  bem, pediu que eu os levasse em casa. Respondi que não tinha carro, mas pagaria um taxi  para conduzi-los, ele agradeceu, mas disse que gostaria muito que eu fosse, pois queria me mostrar um desenho, sabia que eu era professor. A mulher não levantava a cabeça. Depois de vinte minutos chegamos ao bairro Assis Dourado, próximo ao Batalhão da Policia Militar, casa de muro baixo, grades acima, mostrando  um  bem cuidado jardim, que exalava um aroma  de “Dama da noite”. Descemos e adentrei, os acompanhando, a mulher já de cabeça erguida era bonita e tinha um corpo malhado, o vestido curto exibia  tatuagem na panturrilha, tudo aquilo só pôde ser notado quando ela se livrou do sobretudo negro, de atriz Francesa. O garoto mandou que eu me sentasse numa das salas e saiu para buscar os tais desenhos, Alice, era o nome dela, parecia  adivinhar meus pensamentos, quando disse que não era casada, eu podia ficar tranquilo. Divorciada, mãe de um casal de filhos, Eri Johnson e Tereza Raquel, essa, morava com a Vó em outro Estado. Eri retornara do quarto já trocado de roupas, pedindo licença para ir à casa do vizinho buscar os desenhos, eu disse tudo bem, pois Alice havia se sentado diante de mim e, constantemente fazia aquelas trocas de pernas, da inesquecível  Sharon Stone. Ela trouxera vinho e quisera saber sobre a minha vida, depois da segunda taça suas pernas não se cruzavam mais, estacionaram abertas naturalmente, como se estivessem viradas para o vazio.

— Não gosto de usar calcinha! – Disse ela cometendo uma tremenda redundância, pois meus olhos haviam percebido nos seus primeiros movimentos.

Nos beijamos, trocando elogios embriagados e depois fomos para a cama. Eu havia me esquecido totalmente da existência do garoto, e ela pouco estava se lixando. Nos saciamos e, eu com o meu sensível coração de artista, disse as frases mais lindas que os livros de poesia me ensinaram. Antes de ir embora ela com ar doce de namoradinha, perguntou se eu não poderia lhe deixar uma ajuda em dinheiro, já que passava por dificuldades e estava desempregada. Dei um valor expressivo e, fui embora dizendo que ligaria depois, um beijo na boca na saída do portão e um bocado de coraçõezinhos vermelhos brilhavam no meu céu. Estranhei o garoto estar sentado no meio fio com um caderninho nas mãos, sem ao menos mencionar os tais desenhos, mas tudo era irrisório depois daquele noite bem aventurada. Alice era linda e muito gostosa, eu dizia a todo instante, estava apaixonado e mandei  e-mails para a minha  terra natal, disse que provavelmente, eu voltaria com uma aliança no dedo e uma mulher de parar o transito ao lado. Maurina era uma aluna de pintura, que mandava mensagens de amor para mim, havíamos saído algumas vezes, mas meu coração bandoleiro já era de tinta e paixão, Alice havia se ocupado dele, fui claro com Maurina, que  mandou-me a resposta;

— Vá tomar no cú seu filho da puta! Devolva-me o relógio!

Uma semana depois daquela noite inesquecível, resolvi ir até a casa de Alice. Pois seus telefones não atendiam  e seu Face book estava desativado. Cheguei num taxi, vestia minha melhor camisa e uma bota da West Coast novinha, levava flores, ao descer do carro estranhei Eri Johnson sentando no meio fio.

— Oi Eri, se lembra de mim? – Falei com voz amigável.

— Não! – Disse sem expressão no olhar.

— O professor da semana passada, se lembra? Sua mãe passou mal, nós viemos de taxi…

— Ah! agora eu lembro.

— Sua mãe está ai, posso entrar?

— Me deixe eu  olhar aqui no caderno! – Retirou um caderninho do bolso e percorreu uma lista de nomes. — O senhor não está na lista de hoje não! Depois que o seu Antônio sair, quem entra é o Everaldo do carro branco, depois o Juliel do carro azul, depois o Mudo da moto vermelha.

Faltou forças nas pernas para andar até o ponto de ônibus, já que havia gastado o dinheiro que tinha com taxi, flores e vinho importado. A fila de veículos era longa, parecia festa de formatura. Doeu mais quando me lembrei de que, no dia em que sai lá de dentro, aquela mesma fila se formava e o garoto estava no mesmo lugar.

 

Adilson Cardoso
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